quinta-feira, 6 de março de 2014

Nosso afeto preencheria um museu inteiro!

texto de Ariadne Leal Wetmann – EMEF de Surdos Bilíngue Salomão Watnick
“mas as coisas que se foram não desaparecem no mapa
não viram pó nem evaporam no ar”
Alexandre Brito – “O museu do que ficou para trás”
Quando nós, da EMEF de Surdos Bilíngue Salomão Watnick, soubemos quem seria o autor a ser trabalhado pela escola durante o projeto Adote um Escritor, não vou negar que muitos precisamos exercitar um pouco nossas habilidades de pesquisa para saber mais sobre Alexandre Brito, poucos o conheciam em nossa pequena escola. Mas não estávamos preocupados, pois sabemos que costuma ser muito enriquecedora a experiência de apresentar aos alunos a obra de um autor e depois recebê-lo na escola para um dia especial, no qual todos, inclusive os professores, podem dar corpo e proximidade à Literatura. Conversando sobre nossas experiências com as visitas na Salomão e em outras escolas, mesmo quem, como eu, trabalha há pouco para o município sempre lembra de como os homenageados costumam ser receptivos entrando em contato com o retorno demonstrado por nossos alunos a seus livros. Para os alunos surdos, então, torna-se ainda mais interessante esse contato, pois a interação é fundamental para a Cultura Surda.
Descobrimos então os livros de Alexandre Brito pela Editora Projeto, Museu Desmiolado e Circo Mágico, e sentimo-nos entrando no terreno das coincidências felizes, pois nossos alunos maiores, terceiro ciclo e EJA, já têm alguma bagagem de agradáveis visitas a museus da cidade, enquanto alguns dos alunos menores já demonstravam há algum tempo o interesse por mágica, malabarismos e outros elementos do universo circense. Mergulhamos em um esforço coletivo muito belo e incansável do qual eu, como professora de Português, tenho orgulho em dizer que representei apenas uma parte, pois tenho a sorte de estar rodeada de colegas de sensibilidade, disposição e competência ímpares, além de trabalharem há muito mais tempo com os alunos surdos. Posso dizer de antemão que o resultado da visita, no dia 30 de outubro no ano passado, ainda superou nossas já ótimas expectativas, restando-nos hoje, quando conversamos sobre o assunto, a certeza de que foi inesquecível para os alunos e para nós.
Quando chegamos naquele dia, alguns vindos de outras escolas especialmente para a ocasião, outros tendo passado o turno da noite anterior acertando os últimos detalhes com os alunos do EJA noturno, a escola estava fantasiada de museu, repleta de cartazes, decorações, instalações, fotos, pinturas em tela, etc. Tínhamos envolvido os alunos durante todo o mês, as professoras Fabiane, Janaína, Carmem e Karin buscavam a melhor interpretação dos poemas de Museu Desmiolado para Libras, a Língua de Sinais dos surdos brasileiros, depois partíamos para explorar o texto em Português, já que nossos alunos precisam transitar entre as duas línguas. Já os professores Samuel, Sabrina, Júlia, Sônia Hercz e Ioná trabalhavam os poemas de Circo Mágico e o deslumbramento do circo com os alunos de primeiro e segundo ciclos, produzindo fotos e vídeos divertidos e adoráveis dos alunos. A professora Mariuse inspirou obras maravilhosas baseadas nos poemas e nas belas ilustrações de Graça Lima em suas aulas de arte-educação com todas as turmas. Após a leitura do poema “O Museu Invertido” com os alunos, Janaína e eu aproveitamos a ideia na aula de Português, com os alunos escrevendo palavras próprias da Cultura Surda invertidas para expô-las. A professora Ana Luiza visitou a mesma ideia na Língua de Sinais, realizando o “Museu dos Sinais Invertidos”, com fotos dos alunos mostrando alguns sinais da Libras e depois invertendo-os.
O aluno Denner foi o responsável pelo batismo de sinal de Alexandre Brito, inserindo-o no convívio entre os surdos ao atribuir um sinal que será sempre usado para nos referirmos ao escritor. Peço desculpas por não poder citar todos os trabalhos e envolvidos aqui, ao final de tudo tínhamos tantos vídeos e fotos que poderíamos resumir a manhã a isso, e muito mais ideias de exposições de museu e trabalhos de alunos do que comportariam as nossas salas da escola. Mas preciso descrever a experiência do evento em si, pois o mais importante foi o contato entre as muitas curiosidades e encantos dos alunos e a resposta interessada e emocionada de Alexandre.
Tínhamos preparado na manhã anterior a lista das perguntas dos alunos de todas as idades e também dos professores. Reunimo-nos no refeitório para um papo que se estendeu por boa parte da manhã, graças à simpatia do nosso homenageado. Depois partimos para as apresentações de alguns dos vídeos e fotos que produzimos. Alexandre reagia a cada trabalho com uma receptividade fantástica, emocionando-se com a instalação em vídeo encenada por nossos alunos de EJA, inspirada no poema “O Museu da Solidão” e na ilustração que o acompanha, dizendo que se sentia menos sozinho ao perceber que seu poema tinha tocado os estudantes.
Depois, passamos a ciceroneá-lo pelas salas, ele admirou as molduras de madeira que decoramos para mostrar que “O Museu do Silêncio” para o surdo seria composto de imagens sem movimento, divertiu-se com a nossa interpretação do poema “O Museu do Chulé” (fotos manipuladas em editor de imagem de pés de alunos e professores) e com os trabalhos que expusemos no nosso “Museu do Dia das Bruxas” e assistiu com atenção à professora Carmem interpretar em Libras e falar em Português um poema de sua autoria na frente do banner com o poema escrito e em sinais, em um encerramento digno da nossa proposta bilíngue que tanto nos orgulha. Os alunos faziam fila para tirar muitas fotos com o autor, agora não mais alguém que conheciam por foto e pelos poemas, mas um “amigo literário”, ao qual convidamos a repetir a visita sempre que puder, em ocasiões festivas ou não. Agradecemos muito a Alexandre Brito por ir muito além do que esperávamos com sua sensibilidade de um verdadeiro poeta, e também à Editora Projeto por proporcionar obras de tamanha qualidade como Museu Desmiolado e Circo Mágico. Também aproveito este espaço para convidar os leitores do blog a conhecerem nossa escola, sabendo de mais esta alternativa pública e de qualidade no ensino bilíngue caso precisem um dia encaminhar um aluno a uma escola para surdos.
Clique aqui e assista ao vídeo produzido dentro do projeto e que obteve o 3º lugar na Categoria EJA da Mostra Virtual de Inclusão Digital da SMED.
Disponivel em: http://www.editoraprojeto.com.br/nosso-afeto-preencheria-um-museu-inteiro/

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